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Fernando Passos Cupertino de Barros nasceu em Goiânia, em 1959. Seus estudos de música e canto começaram na Cidade de Goiás, onde teve como principal professora a regente do Coro da Catedral de Sant'Ana, Darcília de Amorim. Essa estreita convivência, somada ao ambiente familiar muito musical, deu-lhe o gosto pela música sacra, levando-o a escrever intensamente, no início, música para uso litúrgico (missas, motetes, cânticos para os diferentes tempos do ano litúrgico, etc).
Durante o curso de Medicina, nos anos 70, freqüentou o Instituto de Artes da UFG, como aluno não-regular, onde aprofundou os conhecimentos de Harmonia e Contraponto com o prof. Oscarlino Pereira da Rocha.
De 1984 a 1998, atuou ativamente como organista da Catedral de Sant'Ana, na antiga Capital goiana, onde ainda hoje colabora por ocasião das principais festas litúrgicas.
A partir de 2002, com o forte estímulo das professoras Belkiss S. Carneiro de Mendonça e Consuelo Quireze, passa a se dedicar mais intensamente à escrita para piano e música de câmara.
Desde 2003, com a pianista Consuelo Quireze, forma um duo que se dedica especialmente à divulgação da canção de câmara brasileira. Desde então, o duo tem se apresentado em diversas salas de concerto no Brasil e no exterior, tais como no Centro de Música Brasileira, em São Paulo (2005 e 2006), na Embaixada do Canadá no Brasil (2006), a Embaixada do Brasil na França (2005), na Maison Trestler e na Maison des Jeunesses Musicales du Canadá, em Montréal (2007). Em 2008, a convite da Missão Brasileira junto à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, o duo apresentou-se em diferentes salas de concerto em Portugal, incluindo a Fundação Gulbenkian, o Palácio Foz e o Mosteiro de Albocaça.
Ainda em 2004, lançou três CDs que reúnem um representativo número de suas obras em diversos gêneros e para diferentes formações.
No mesmo ano, recebeu do Conselho de Cultura do Estado de Goiás a Medalha do Mérito Cultural na categoria "Composição Musical".
Em 2005, o compositor e professor Osvaldo Lacerda (São Paulo) o aceita como aluno de composição e, rapidamente, ele se torna um de seus discípulos mais afeiçoados.
Em 2009 concluiu seu Mestrado em Música, pela Universidade Federal de Goiás, sob a orientação do prof. Dr. Ângelo Dias, com o tema "As canções de Osvaldo Lacerda com textos de Manuel Bandeira".
OPUS DISSONUS - Como se deu seu primeiro contato com a arte de compor? O que o motivou a começar?
FERNANDO CUPERTINO - Dentre as pessoas que exerceram um papel decisivo no despertar do meu amor pela música, minha tia-avó Edméa de Camargo, pianista, professora de Canto Orfeônico e diretora de orquestra de câmara que atuou nos tempos do cinema mudo, teve grande importância. Foi com ela que aprendi que melodias podiam ser escritas em cinco linhas e quatro espaços e que, mesmo centenas de anos depois, como ela frequentemente me explicava, podiam ser interpretadas fielmente, tal como haviam sido escritas. E isso para mim era bastante diferente de se ler um livro, pois na música havia outras variáveis envolvidas que aquelas de uma simples leitura, tais como o andamento, o ritmo, a dinâmica, o fraseado... Então, durante toda minha infância, frequentando ainda o ambiente musical da Catedral de Sant'Ana da minha querida Cidade de Goiás, fui ouvindo e aprendendo. Com D. Darcília Amorim, regente do coro da Catedral, aprendi o básico da teoria musical e, por volta dos meus 13 anos, já escrevia pequenas peças para uso na igreja. A motivação maior era, sem dúvida, o prazer de ouvir algo que eu mesmo tinha sido capaz de criar e tentar descobrir como poderia fazer melhor.
OPUS DISSONUS - Como funciona seu processo composicional?
FERNANDO CUPERTINO - Em geral surge uma idéia melódica, em torno da qual organizo meu pensamento, começando por escolher uma forma que julgo apropriada para desenvolver aquela idéia. Às vezes acontece de ser apenas a melodia, mas já aconteceu de virem associadas melodia e harmonia, mas isso é bem mais raro. Em seguida, desenvolvo o pensamento musical e a coisa toma vulto. Ao final, depois de concluída a peça, deixo-a "dormir" alguns dias para, somente então, voltar a ela. Normalmente faço ainda algumas modificações, enxergando soluções melhores que anteriormente não havia encontrado. Gosto, ainda, de trocar impressões com intérpretes com os quais tenho intimidade sobre o porquê de minhas escolhas e sobre a conveniência ou não de certos detalhes de escrita.
OPUS DISSONUS - Qual ou quais compositores exerceram maior influência em suas obras desde as primeiras composições até hoje?
FERNANDO CUPERTINO - Inicialmente, todos aqueles com os quais eu convivia no quotidiano do trabalho coral na igreja me interessavam, mas eu não poderia atribuir a nenhum deles uma influência em especial. Seria muito mais lógico eu dizer de minhas admirações. Por exemplo, o contraponto de J.S.Bach; as melodias extraordinárias de Chopin e Tchaikovsky; a precisão matemática da música de Mozart; a beleza harmônica de Fauré e Debussy; o vigor e a beleza às vezes quase selvagem de Beethoven; a solenidade de Lorenzo Perosi etc.. Um fato, porém, marcou-me profundamente e levou-me a descobrir a música brasileira: em 1976, aos 17 anos de idade e já aluno da Faculdade de Medicina, em Goiânia, ouvi o prelúdio das Bachianas brasileiras no. 4, sob a regência do maestro Camargo Guarnieri. Fiquei extasiado e passei, então, a buscar conhecer cada vez mais a música erudita brasileira.
OPUS DISSONUS - O Maestro Osvaldo Lacerda ainda é um norteador do seu trabalho atraves dos encontros que vocês tem mensalmente. Como e quando se deu seu primeiro contato com o Maestro?
FERNANDO CUPERTINO - Sem nenhum exagero eu posso dizer que o professor Lacerda foi um divisor de águas na minha vida, tanto na Música, quanto fora dela. Muito mais do que uma relação de professor e aluno, ele estabeleceu comigo um laço de amizade sincera, franca, com uma camaradagem como se nos conhecêssemos há décadas. Além disso, ensinou-me a riqueza da disciplina do pensamento composicional, o valor da análise musical, a percepção das sutilezas timbrísticas, o equilíbrio e ainda a buscar "fazer o máximo com o mínimo". Nosso contato decorreu do fato de que eu havia pedido à minha grande amiga Belkiss Carneiro de Mendonça, pianista que acompanhava com grande interesse meus trabalhos de composição, em Goiânia, que me indicasse um bom professor de Composição. Foi ela quem me sugeriu, em 2005, o nome do prof. Osvaldo Lacerda. Ela mesma telefonou para o professor e marcou com ele uma visita para o mês de julho daquele ano, em sua casa, no bairro de Perdizes, em São Paulo. Infelizmente, o destino impediu que fizéssemos essa viagem, pois ela, poucos dias depois de ter marcado o compromisso, foi vítima de um acidente vascular cerebral. Entretanto, fui a São Paulo na data combinada, acompanhado pela pianista Consuelo Quireze, da Escola de Música da Universidade Federal de Goiás, a quem a profa. Belkiss me havia apresentado. Ambas, inclusive, haviam participado como intérpretes de minhas peças para piano, nos CDs gravados em 2003 e 2004. Consuelo, a essa altura, já era a principal intérprete de minha obra pianística.
O encontro com o professor Lacerda foi muito interessante, pois ele, com sua franqueza habitual, me disse que iria ver se eu tinha "jeito para a coisa". Caso contrário, seria objetivo e me diria claramente que não perdesse tempo nem gastasse dinheiro à toa. Com bastante sacrifício, passei a ir a São Paulo pelo menos uma vez por mês, às vezes duas, para aulas de duas horas, desde agosto de 2005. Nesses cinco anos, aprendi muito mais do que imaginei que poderia. E, mais ainda, aprendi outras coisas que são absolutamente necessárias para quem quer fazer uma música que seja coerente com suas origens, com os valores culturais de sua gente.
OPUS DISSONUS - O seu duo com a pianista Consuelo Quireze se dedica especialmente à divulgação da canção de câmara brasileira. Como foi o primeiro contato de vocês?
FERNANDO CUPERTINO - Como dizia, foi a pianista Belkiss Carneiro de Mendonça quem nos apresentou um ao outro. Consuelo gostou da música que eu fazia e, ao estreitarmos nossa convivência, descobrimos nossa predileção em comum pela canção de arte brasileira. Começamos, então, em 2003, a trabalhar juntos, apresentando-nos tanto no Brasil quanto no exterior, em diferentes oportunidades, sempre valorizando a trajetória da canção brasileira, de Alberto Nepomuceno até nossos dias.
OPUS DISSONUS - Quais das suas obras podem, em sua opinião, serem consideradas como “introdutórias” ou ainda “obrigatórias” aos que querem conhecer melhor suas composições?
FERNANDO CUPERTINO - Na obras para piano, creio que os Improvisos dão uma boa mostra do que escrevi antes de conhecer o prof. Osvaldo Lacerda; já os Momentos foram escritos já na fase desse convívio. Nas canções, a grande maioria delas foi escrita já sob o estímulo e a orientação do prof. Lacerda. Gosto particularmente de "Eu..." (texto de Florbela Espanca) e de uma série de trovas que renderam algumas canções ("Contrastes do amor", "Saudade", "Trovas"). Na música coral, das dez missas que escrevi, gosto muito daquela em mi bemol maior, que compus para as bodas de ouro de meus pais, em 2008 (coro e órgão/harmônio) e, dentre as peças para orquestra, a "Canção para a lua cheia", escrita em 2004, para piano e orquestra, me agrada bastante.
OPUS DISSONUS - A Música religiosa parece ter estado sempre presente em sua vida tanto como intérprete (como organista em igrejas) como compositor. Quais fatores o aproximaram da linguagem sacra?
FERNANDO CUPERTINO - Sim, é verdade. A minha vivência com a música deu-se, a maior parte do tempo, no interior da Igreja. Não só aprendi e tomei gosto pela música no trabalho coral, mas também como organista que fui, durante cerca de 15 anos, na Catedral de Sant'Ana, da Cidade de Goiás, a antiga Capital do Estado. Ao longo desse tempo e ainda hoje, procuro escrever não apenas música sacra, mas música para uso litúrgico, ou seja, aquela que se destina ao culto. Este tipo de música exerce um papel muito importante, que é o de auxiliar na criação de uma ambiência de recolhimento, de comunhão com Deus, ou ainda de servir de veículo à mensagem das palavras que em geral vêm dos evangelhos, dos salmos ou de outros textos sacros. Para tanto, é preciso que seja uma música bem escrita, com qualidade melódica, harmônica, mas também que seja acessível a todos. O povo pode e deve cantar, seja dialogando com o coro, seja cantando junto com ele os refrões. Mas para isso, especialmente, a melodia tem que ser agradável e reconhecidamente do nosso meio, do nosso jeito de ser e de sentir.
OPUS DISSONUS - As suas obras para piano, em especial os Improvisos, Momentos, Pequena Suite Sentimental, Tocata, etc. Parecem receber uma forte influência da música popular do início do século XX e da MPB. Qual sua relação com estas linguagens musicais?
FERNANDO CUPERTINO - A música brasileira, como sabemos, tem dois grandes pilares em sua constituição: a modinha e o lundu. Vindo de uma cidade oitocentista, com grande tradição musical e com um sentimento muito forte de preservação de seus valores culturais, é natural que eu tenha sido submetido a tais influências, que são encontradas em todos aqueles que se dedicaram a escrever música de caráter nacional. Ainda que submetidas em maior ou menor grau a um tratamento composicional segundo regras européias, a essência é genuinamente brasileira e é isso que importa. Importa, ao ouvirmos uma música, sentir a que meio ela pertence e isso é muito forte na música brasileira. Onde se ouve música brasileira de qualidade, instantaneamente percebe-se que ela é brasileira
OPUS DISSONUS - Ao ver em suas canções textos de Olavo Bilac, Cecília Meireles, Florbela Espanca, Fernando Pessoa, dentre outros, surge a pergunta: A literatura o aproximou da canção ou a canção o aproximou da literatura?
FERNANDO CUPERTINO - Segundo o professor Osvaldo Lacerda, "canção é poesia cantada", daí a necessidade do respeito ao texto, por parte de quem escreve a música. Sempre gostei de literatura e de poesia e devo dizer que uma das coisas mais deliciosas de se fazer música é escrever canções. O processo, em geral, começa por encontrar um belo poema, pelo qual nos apaixonamos e do qual procuramos extrair a música que está ali, escondida para muitos, mas clara e sonora para outros... Isso me levou à busca de conhecer os bons poetas da língua portuguesa
OPUS DISSONUS - Quais são seus planos composicionais para o futuro?
FERNANDO CUPERTINO - Nada de extraordinário, a não ser estudar mais, procurar progredir na arte de compor, sem, contudo, perder a espontaneidade e o compromisso com aquilo em que acredito, sem nenhuma preocupação em ser "moderno", mas sim autêntico na opção de colocar no papel a música que ouço e que está presente no mundo em que vivo, nas pessoas com quem convivo, nas alegrias e nas dores, em tudo enfim.
OPUS DISSONUS - Quais são suas impressões acerca da mais nova geração de compositores? Você os conhece?
FERNANDO CUPERTINO - Não posso dizer que conheça em profundidade. Entretanto, para mim, para que exista música, é preciso haver melodia. Sem esta, os sons são ruídos que podem ser organizados de inúmeras maneiras, mas não chegam a ser música para os nossos ouvidos. Gosto de algumas coisas que já ouvi dessa nova geração de compositores, mas desgosto da grande maioria, exatamente por não serem capazes de mostrar uma melodia convincente.
OPUS DISSONUS - Em sua opinião, o que podemos esperar do futuro da música erudita?
FERNANDO CUPERTINO - A música é eterna e cíclica, como tudo na vida. Ciclos de desenvolvimento e progresso, muitas vezes alternam-se com estagnação e retrocesso. Mas o futuro para a música erudita é sempre promissor. Ao final de cada ciclo desses a que me referi, triunfa a verdadeira música, derrubando modismos, tendências e teorias que não se sustentam. Foi assim, por exemplo, com Guarnieri e a defesa do nacionalismo na música brasileira. Amainada a tempestade dos debates apaixonados, transcorrido o tempo, o que subsistiu? O valor da música feita por ele e por aqueles que beberam da mesma fonte. Tudo o mais era bobagem
OPUS DISSONUS - Quais palavras o senhor diria aos aspirantes a compositor?
FERNANDO CUPERTINO - Em primeiro lugar, estudar, estudar e estudar. Lembrar-se de que não basta inspiração. É preciso saber tratá-la, burilando-a e enriquecendo-a com os conhecimentos da técnica composicional que só o estudo sério e dedicado pode oferecer. Além disso, procurar conhecer a alma do povo, sua música verdadeira, suas imensas riquezas culturais tantas vezes negligenciadas ou deturpadas por interesses comerciais.
OPUS DISSONUS - Considerações Finais:
FERNANDO CUPERTINO - Agradeço a gentileza do convite da Opus Dissonus para conceder esta entrevista despretenciosa, que conta um pouco da experiência de alguém que tendo aprendido alguma coisa em Música e em Composição, convence-se a cada dia que muito mais tem ainda a aprender...
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