OPUS DISSONUS

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EDINO KRIEGER - A MÚSICA CLASSICA É ETERNA

                                         


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Nascido em Brusque (1928), Estado de Santa Catarina, transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1943. Ingressou no Conservatório Brasileiro de Música, na classe de violino (que estudo ucom o pai desde cedo) e, no ano seguinte, tornou-se aluno de Koellreutter. Estudou, mais tarde, nos Estados Unidos, com Aaron Copland e Peter Menin, com Krenek em Teresópolis (curso intensivo de Composição), e com Lennox Berkeley, em Londrs. Participou com José Siqueira da organização da “Ordem dos Músicos do Brasil”, organizou a programação musical das rádios MEC e JB, e os primeiros concursos corais pela última promovidos. Foi crítico musical e idealizou e organizou os “Festivais de Música da Guanabara” e as “Bienais de Música Brasileira Contemporânea”. Foi diretor do Instituto Nacional de Música/FUNARTE. Ocupa a cadeira No.34 da Academia Brasileira de Música.

OPUS DISSONUS - Como se deu seu primeiro contato com a arte de compor? O que o motivou a começar?
EDINO KRIEGER - Foi um acaso. Vim para o Rio em 1943 para estudar violino no Conservatório Brasileiro de Música. Lá vi num quadro de avisos que o Professor Koellreutter, que eu havia conhecido quando ele fez um recital em Brusque, estava ministrando um curso livre de composição no Conservatório. Encontrei casualmente o professor no corredor e disse a ele que gostaria de fazer um teste para freqüentar o seu curso. Perguntou se eu já havia composto alguma coisa e eu, com medo de que isso pudesse ser uma exigência, disse que sim. Ele marcou hora para encontrá-lo no dia seguinte e mostrar o que eu havia feito. Passei a noite rabiscando qualquer coisa e levei para ele. Perguntou: é isso o que você fez? Respondi que sim e ele completou: isso não é nada, vamos começar do começo. Então comecei realmente da estaca zero, aprendendo a construir um cantus firmus para o contraponto da primeira espécie, nota contra nota. Considero que tudo o que sei em matéria de composição aprendi nos 4 anos de aulas com Koellreutter.

OPUS DISSONUS - Como funciona seu processo composicional?
EDINO KRIEGER - Definido o tipo de composição – instrumental, vocal, duração ideal etc., sento com lápis, papel de música e borracha e procuro encontrar a primeira idéia, a partir da qual se desenrola o trabalho de construção da forma, desenvolvimento das idéias, teor expressivo, linguagem e orientação estética.

OPUS DISSONUS - Qual ou quais compositores exerceram maior influência em suas obras desde as primeiras composições até hoje?
EDINO KRIEGER - Meu primeiro trabalho de composição foi uma Sonata para violino solo, muito no estilo das Sonatas de Corelli que eu tocava. Mais tarde uma das grandes revelações para mim foi ouvir a Sinfonia Matias o Pintor, de Hindemith, que foi uma influência marcante em minha produção da fase neo-clássica, que começa com a Sonata para piano a 4 mãos – minha primeira composição depois da fase serialista inicial ( tive uma segunda fase serialista a partir das Variações Elementares, e que inclui o Ludus Symphonicus e a Tocata para piano e orquestra ).

OPUS DISSONUS - Quais das suas obras podem, em sua opinião, serem consideradas como “introdutórias” ou ainda “obrigatórias” aos que querem conhecer melhor suas composições?
EDINO KRIEGER - Eu indicaria o Choro para flauta e cordas ( última composição da fase serial inicial , de 1952 ) a Sonata para piano a 4 mãos ( primeira composição do período neo-clássico iniciado em 1953 ), as Variações Elementares ( primeira obra do segundo período serial , de 1964 ), o Ludus Symphonicus, o Estro Armonico (experiência de serialismo a partir de clusters de 12 sons superpostos em diferentes estruturas intervalares ) o Canticum Naturale, espécie de poema ecológico sobre cantos de pássaros e ruídos da floresta amazônica, as 3 Imagens de Nova Friburgo, também sobre aspectos da natureza, o Concerto para dois violões e cordas, com elementos da temática nordestina, que de certo modo inicia uma tendência estética predominante nas obras mais recentes.

OPUS DISSONUS - O seu trio de sopros intitulado "Música 1945" parece ter marcado o início de sua fase serialista e o levou a ter contato com os músicos Hans-Joachim Koellreutter, Cláudio Santoro, Guerra-Peixe e Eunice Catunda participando assim do grupo "Música Viva". Quais suas memórias mais queridas dos encontros com estes compositores? E como era o pensamento, trabalho e a discussão musical do grupo na época?
EDINO KRIEGER - Meu contato com Santoro, Guerra-Peixe e Eunice Catunda se iniciou quando comecei a estudar com Koellreutter. O prêmio Música Viva dado ao Trio de sopros oficializou meu ingresso formal no Grupo. Meu contato com os três se deu enquanto amizade pessoal, sobretudo com Guerra-Peixe, que me chamava de Grígue e eu o chamava de Peixe-boi .Com frequência passávamos madrugadas a dentro em sua casa na Lapa conversando sobre e ouvindo música, saindo lá pelas 6 para comer canjica no abrigo de bondes que existia na Lapa e às vezes assistindo cenas típicas como as brigas do famoso travesti Madame Satã com outros marginais ou com a polícia; outros contatos ocorriam também nas audições promovidas pelo Grupo, em auditórios como os da Casa do Estudante , da Associação Cristã de Moços e da ABI, onde por vezes atuávamos também como intérpretes, ou nos programas semanais que produzíamos na Rádio Ministério da Educação, e ainda nas reuniões periódicas dos alunos do Koellreutter em sua casa, para análise de obras clássicas como a Arte da Fuga de Bach ou as Sonatas de Beethoven, ou contemporâneas.Também ocorriam discussões sobre estética, inclusive sobre a compatibilidade ou não do serialismo com a música brasileira nacionalista. Eu e Guerra-Peixe achávamos que se podia fazer música serial com elementos característicos da música brasileira, e chegamos a escrever obras para demonstrar isso – o Guerra compôs um Trio de cordas em que o segundo movimento é uma Seresta, e eu fiz um Choro para flaita e cordas, cujo título original era Sururu nos doze sons...

OPUS DISSONUS - Sua obras recentes ainda estão ligadas de alguma forma ao Música Viva?
EDINO KRIEGER - Apenas no sentido de que são resultado de toda uma vivência anterior. Mas não teem a preocupação experimental que existia nos trabalhos do Grupo.

OPUS DISSONUS - Que lembranças, influências e ensinamentos de Aaron Copland, Darius Milhaud e Ernst Krenek ainda são fortes no seu trabalho?
EDINO KRIEGER - Com Copland trabalhei só a parte de orquestração. Não tive aulas com Milhaud, mas apenas assisti suas palestras para grupos de estudantes. Na Juilliard estudei com Peter Mennin, que fora discípulo de Nadia Boulanger e era um neo-clássico ( o próprio Koellreutter me aconselhara a não escolher um professor serialista, para diversificar e ampliar as minhas experiências. Durante esse período não utilizei o serialismo, que eu voltaria a usar na Música 1952 para piano, composta durante o breve estágio de estudos com Krenek no Curso de Férias de Teresópolis, e depôs também no Choro para flauta e cordas, do mesmo ano.

OPUS DISSONUS - Ao analisar seu "Concerto para dois Violões e Cordas" dedicado ao Duo Assad, ou a obra "Ritmata" para violão solo é possivel ver que seu conhecimento a respeito do instrumento é bem grande. Onde nasceu o interesse pela linguagem violonística?
EDINO KRIEGER - Meu primeiro contato com o violão foi através da música popular. Eu gostava de cantar Noel, Caymmi, os sambas e as marchinhas dos carnavais dos anos 30, que eu ouvia nos ensaios do Jazz Band América, fundado por meu pai só com membros da família e que animava os carnavais da minha cidade e de cidades visinhas. Era o repertório que eu cantava e acompanhava no violão em reuniões de família e amigos, no Rio e até em Londres, nos encontros de brasileiros, no ano em que estudei lá com Lennox Berkeley. Meu primeiro trabalho para o violão clássico foi um Prelúdio, bem na linha dos de Villa-Lobos. Nos anos 50 conheci Turíbio Santos e nos propusemos a trocar figurinhas: eu ensinava a ele harmonia e contraponto, e ele me ensinava violão. Foi com a assistência e a insistência do Turíbio que escrevi uma peça numa linguagem mais contemporânea e com recursos técnicos modernos e até experimentais, como os sons percutidos sobre as cordas uma Tocata que por sugestão do Turíbio passou a se chamar Ritmata, e que se tornou bastante divulgada pelos violonistas, chegando a ser peça de confronto em concursos internacionais. No Concerto para dois violões utilizo elementos da temática dos cantadores e violeiros nordestinos, a meu ver pouco presente no repertório violonístico brasileiro,

OPUS DISSONUS - Em algumas de suas obras, como por exemplo no curiosíssimo "Estro Armonico", nas "3 Imagens de Nova Friburgo" e também nos "Estudos Intervalares para piano", é dada uma grande liberdade aos intérpretes em determinados trechos das obras, seja através da utilização de "clusters" (no caso dos estudos) ou de notas de alturas indefinidas e/ou durações ad libitum. Até que ponto a liberdade interpretativa pode chegar sem perder a conexão com a idéia central do compositor?
EDINO KRIEGER - A notação musical tradicional não é suficiente para registrar todas as idéias musicais de hoje, onde os conceitos de tempo, duração e altura sofreram uma total liberação. Em determinados momentos, prefiro deixar à sensibilidade do intérprete a decisão sobre a duração de um som, em lugar de tentar uma duração mensurada. O mesmo acontece em relação à altura, em momentos em que a idéia é produzir blocos sonoros rítmicos ou não. São procedimentos chamados aleatórios que se incorporaram ao repertório das idéias, e que por vezes podem sugerir um resultado mais próximo ao pensamento sonoro do compositor do que a escrita tradicional.

OPUS DISSONUS - Depois de compor 18 obras Sinfônicas, dentre elas o Ludus Symphonicus, as Variações Elementares, Terra Brasilis, Estro Armonico, sendo que cada uma delas possui estéticas distintas e próprias que consequentemente agradam a todos os gostos, existe ainda alguma dificuldades na hora de conseguir orquestras para divulgá-las? Quais os problemas que o compositor brasileiro encontra hoje?
EDINO KRIEGER - Pessoalmente não posso me queixar: todas as minhas músicas teem sido executadas, algumas mais de uma vez e por orquestras e intérpretes daqui e do exterior. Mas é verdade que a música contemporânea é ainda uma presença muito tímida nos programas de concerto, no Brasil e mesmo nos países mais desenvolvidos musicalmente. Nos séculos anteriores, a música que se ouvia nos concertos e nas igrejas era música contemporânea, de autores da época. A partir do Século XX o que se ouve é a música dos séculos passados, a mesma que se ouvia há 200 ou 300 anos. Com a liberação da tonalidade e outros procedimentos, houve uma ruptura entre a criação musical e a capacidade do ouvido coletivo de compreendê-la e aceita-la. Daí a importância dos festivais de música contemporânea e de música nova, como os de Santos, da Bahia e as Bienais aqui do Rio, onde a produção musical recente pode ser ouvida, avaliada e aprovada ou não pelo ouvido crítico do seu principal destinatário, o público.

OPUS DISSONUS - No Brasil a preocupação com a educação infantil está presente na obra de muitos compositores brasileiros como Villa-lobos, Souza-Lima, Lorenzo Fernandez, Guerra-Peixe, entre outros. E no seu trabalho como educador musical, não podemos deixar de mencionar o livro "20 Rondas Infantis". Qual a sua maior ambição como educador e qual espaço que a educação infantil ocupa na vida do compositor Edino Krieger?
EDINO KRIEGER - ? Sempre me interessei pela educação musical da criança e do jovem. Freqüentei, nos anos 40, os Concertos para a Juventude que a OSB realizava no cinema Rex todos os domingos pela manhã. Foi lá que tomei conhecimento do grande repertório sinfônico. Mais tarde eu mesmo dirigi os Concertos da Juventude da Rádio Ministério da Educação e da TV Globo. Mas penso que a educação musical da criança e do jovem não deve se limitar a levar a eles a boa música de todos os gêneros, mas principalmente fazer com que eles próprios exercitem a linguagem da música, cantando, tocando instrumentos, experimentando o poder de concentração, organização em grupo, disciplina e desenvolvimento da sensibilidade que só a música proporciona. As 20 Rondas Infantís são uma coletânea de canções de roda em forma de cânon, composta a partir de 1950. É um material didático para introduzir a criança no canto polifônico a partir de uma melodia cantada por dois três ou quatro grupos em entradas sucessivas, à maneira do conhecido cânon francês Frère Jacques. Fiz 20 canções desse tipo no estilo das cirandas brasileiras, pois acho, como Bartók e Villa-Lobos, que a iniciação musical pode e deve incluir elementos da cultura musical do próprio país.

OPUS DISSONUS - Quais são suas impressões acerca da mais nova geração de compositores? Você os conhece?
EDINO KRIEGER - Conheço principalmente os que se apresentam nas Bienais, que sempre acompanho. Como é natural, alguns se destacam por seu talento e sua musicalidade, mais do que pelos conhecimentos técnicos, onde predominam as influências das escolas européias. Há pouco interesse dos jovens pelo rico material sonoro oferecido pela cultura musical brasileira, e que no meu entendimento pode ser explorado dentro de uma estética contemporânea e até de vanguarda.

OPUS DISSONUS - Em sua opinião, o que podemos esperar do futuro da música erudita?
EDINO KRIEGER - Não gosto do termo música erudita, um pecadinho do grande Mário de Andrade. Prefiro música clássica, entendida não como estilo ou escola, mas na acepção mais abrangente. Acho que essa vertente da criação musical é eterna, com altos e baixos através dos séculos. Há um repertório selecionado pelo crivo do tempo que será ouvido sempre. Com a inclusão eventual de obras primas que surgirão ou não dependendo do aparecimento de outros grandes compositores.

OPUS DISSONUS - Quais palavras o senhor diria aos aspirantes a compositor?
EDINO KRIEGER - Que procurem estudar e conhecer todos os recursos técnicos que a História coloca à sua disposição, e que utilizem esses recursos para exprimir a sua fantasia criadora, mas nunca deixem que essa fantasia seja subjugada por eles.

OPUS DISSONUS - Considerações Finais (livre):
EDINO KRIEGER - Acredito na música como uma das ferramentas, juntamente com a cultura em geral e as ciências, de liberação do homem e de redenção da Humanidade, hoje infelizmente dominada pela economia, a política e a intolerância.

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Edino Krieger


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Mais informações sobre Edino Krieger
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