OPUS DISSONUS

_____________________________________________________________________________________________________

OSVALDO LACERDA - O ÚLTIMO NACIONALISTA

                                         


****************************



                    Osvaldo Costa de Lacerda nasceu em São Paulo, SP, Brasil, em 23 de Março de 1927. Aos nove anos de idade, iniciou seus estudos de piano com Ana Veloso de Rezende, continuando-os, mais tarde, com Maria dos Anjos Oliveira Rocha e José Kliass. Aprendeu os primeiros rudimentos de Harmonia e Contraponto com Ernesto Kierski, de 1945 a 1947. No final da década de 1940, teve aulas de técnica vocal com a cantora russa exilada Olga Urbany de Ivanov. De 1952 a 1962, estudou Composição com Mozart Camargo Guarnieri, a quem deve o início de sua carreira, e sob cuja orientação formou sua personalidade de compositor. Seu estilo caracteriza-se por um refinado nacionalismo, fruto de extenso conhecimento das características da música brasileira, aliado a sólido domínio das técnicas modernas de composição.
                    Em 1963, passou um ano nos Estados Unidos, sob os auspícios da John Simon Guggenheim Memorial Foundation, tendo sido o primeiro compositor brasileiro a usufruir uma Bolsa de estudos dessa importante Fundação. Teve, então, aulas de Composição com Vittorio Giannini, em Nova York, e Aaron Copland, em Tanglewood. No final da década de 1970 e princípio da de 1980, aconselhou-se em orquestração com o maestro Roberto Schnorrenberg.
                    Detentor de inúmeros prêmios Lacerda foi fundador da Mobilização Musical da Juventude Brasileira (1945), e Diretor do Departamento de Divulgação da Musica Brasileira (1951 e 1952), daquela entidade em São Paulo. Foi fundador e Diretor Artístico da Sociedade Paulista de Arte, entidade que, de 1949 a 1955, apresentou diversos novos valores musicais ao público paulistano. Foi fundador e Presidente da Sociedade Pró Musica Brasileira, entidade que, em São Paulo, de 1961 a 1966, promoveu ampla divulgação da musica brasileira. Foi novamente Presidente da mesma Sociedade, quando esta ressurgiu brevemente em 1984.
                    É fundador e Presidente do Centro de Música Brasileira, desde a sua fundação em dezembro de 1984, entidade que, em São Paulo, promove grande divulgação da música erudita brasileira.
                    Dedicou-se sempre intensamente ao ensino da música, na qualidade de professor de Teoria Elementar, Solfejo, Harmonia, Contraponto, Análise Musical, Composição e Orquestração. Seus livros Compêndio de Teoria Elementar da Música, Exercícios de Teoria Elementar da Música, Curso Preparatório de Solfejo e Ditado Musical, e Regras de Grafia Musical são adotados em inúmeras escolas de música do Brasil e Portugal.
                    É membro efetivo da Academia Brasileira de Música, onde ocupa a cadeira nº 9, cujo patrono é Tomaz Cantuária.

OPUS DISSONUS - Como se deu seu primeiro contato com a arte de compor? O que o motivou a começar?
OSVALDO LACERDA - Comecei a estudar piano aos 9 anos de idade, e não demorei muito a escrever algumas pequenas melodias, naturalmente insípidas, e em dó maior.

OPUS DISSONUS - Alguns compositores discordam da maneira que críticos ou historiadores os classificam, como no caso de Debussy que, ao invés de concordar com o termo “impressionista”, se dizia “simbolista”. No seu caso o termo “pós nacionalista” está bem aplicado?
OSVALDO LACERDA - Debussy eu considero nem simbolista nem impressionista, mas simplesmente um dos maiores gênios da música, em cuja produção descansa todo o século XX. Quanto a mim, se quiser pôr uma etiqueta, ponha de nacionalista, simplesmente.

OPUS DISSONUS - Como funciona seu processo composicional?
OSVALDO LACERDA - A inspiração varia consoante o compositor. Para uns, começa com uma sucessão de acordes, para outros, com o timbre, etc. Para mim, sempre funcionou como um fragmento melódico em cima do qual eu teço a composição. O mais importante de tudo não é o começo, mas é a estrutura da obra.

OPUS DISSONUS - Qual ou quais compositores exerceram maior influência em suas obras desde as primeiras composições até hoje?
OSVALDO LACERDA - No Brasil, é claro que foi o meu querido mestre Camargo Guarnieri, e em plano internacional , eu simplesmente idolatro Mozart, pela beleza de suas melodias, pela clareza composicional, e também pela sua economia de meios, muito eficaz.

OPUS DISSONUS - Os seus estudos sobre composição com Guarnieri duraram cerca de dez anos, e parece que não há erro ao afirmar que sua obra foi influenciada pelo maestro, por outro lado a “Comando Unit” de Aaron Copland com os compositores Sessions, Harris, Thomson e Piston de alguma forma influenciou ou influencia seu trabalho?
OSVALDO LACERDA - Com exceção de Copland, Gershwin e Leonard Bernstein, que, aliás, são esses 3 judeus os melhores compositores americanos, os outros eu considero de terceira categoria.

OPUS DISSONUS - Muitas vezes ouvimos falar que Aaron Copland era muito receptivo e generoso com jovens estudantes de composição. Como foi seu primeiro contato com ele?
OSVALDO LACERDA - É verdade. O Copland era muito generoso e, além disso, uma pessoa muito engraçada, sempre de bom humor, não digo que me tenha ensinado muito, mas muita coisa, não obstante, eu aprendi com ele. E era uma pessoa ótima.

OPUS DISSONUS - Percebo uma critica sempre favorável acerca dos seus trabalhos mais intimistas. Quais das suas obras podem, na sua opinião, serem consideradas como “introdutórias” ou até “obrigatórias” aos que querem conhecer melhor o trabalho do compositor Osvaldo Lacerda?
OSVALDO LACERDA - Acima de tudo, as minhas 130 canções. Eu procurei sempre, nas mesmas, abranger poesia desde Gregório de Matos até os atuais, sempre escolhendo aquelas que me tocam a sensibilidade. E também, no plano camerístico, as 12 suites Brasilianas para piano, cada uma delas com 4 movimentos, onde procurei abranger e levar para um plano erudito de meia dificuldade técnica o máximo possível de obras do nosso folclore e da nossa música popular. Escrevi, portanto, 48 gêneros diferentes, e ainda restam alguns que podem ser levados ao plano erudito. E também os meus 10 ponteios para piano e os Cromos para piano e orquestra, dedicados à minha querida esposa, Eudóxia de Barros.

OPUS DISSONUS - A música sinfônica brasileira parece ainda muito pouco divulgada e em número pouco expressivo. Qual é seu ponto de vista, como compositor, em relação às obras maiores como Sinfonias, Poemas Sinfônicos, Cantatas e Operas?
OSVALDO LACERDA - Realmente, a nossa musica sinfônica é muito pouco divulgada e a maioria dos compositores consegue que os maestros executem suas obras geralmente por amizade, por política, mas dificilmente pelo valor da obra em si. Mas como sinfonias, eu destaco as de Guarnieri. Não gosto das de Villa-lobos, são muito confusas. Poemas sinfônicos poucos existem. Cantatas são muito boas as do Guarnieri, mas ninguém as leva à execução, Quanto às óperas, eu cito naturalmente Carlos Gomes. Devemos acabar com essa mania de dizer que ele é um compositor italiano ou que seria melhor que tivesse aprendido na Alemanha, pois tudo isso não passa de um conglomerado de asneiras. Se se parecem com óperas italianas é simplesmente por uma contingência histórica, o que não tira o valor das óperas, que mereciam muito mais atenção por parte dos organizadores de óperas.

OPUS DISSONUS - Ao analisar as programações de temporadas das maiores orquestras brasileiras é possível perceber um certo descaso com a música brasileira, que ocupa menos de 20% da programação em geral. O motivo seria por acaso o desconhecimento de repertório por parte dos regentes?
OSVALDO LACERDA - O descaso pela música brasileira não acontece apenas no campo sinfônico, mas em todos os campos. Isso se deve pela alienação dos intérpretes e especialmente de seus professores pela música erudita brasileira. Em todo caso, de uns tempos para cá melhorou levemente, em parte pela influência da Academia Brasileira de Música sediada no Rio de janeiro e fundada por Villa-lobos. Aqui em São Paulo eu e alguns amigos, especialmente a Eudóxia, fundamos há 25 anos o Centro de Música Brasileira e estamos fazendo o possível para divulgar a música brasileira erudita para solista, para câmara e para coro.

OPUS DISSONUS - Na sua opinião, a música erudita passa (ou passou) por algum tipo de crise?
OSVALDO LACERDA - Ela a passou quando o Camargo Guarnieri escreveu aquela Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil . A partir daí, formou-se uma divisão entre Nacionalistas e aqueles que se intitularam com o curioso nome de Vanguarda. ( Até hoje não entendi "vanguarda do que" ) . E esses tinham uma influência, onde se percebia a figura sinistra do professor Hans Joaquin Korlreuter, um alemão que atravessou o oceano atlântico para bagunçar a música no Brasil. Então houve uma série de debates, de oposições, de inimizades, e essa poeira só se assentou quando ambos os lados se concientizaram que os intérpretes não tocam nem música de "vanguarda" e nem música nacionalista. Em outras palavras, estávamos os dois lados no mesmo barco.

OPUS DISSONUS - Muito se discute sobre os direitos autorais e a livre divulgação de obras pela internet. Qual sua opinião sobre este assunto?
OSVALDO LACERDA - A lei de direitos autorais precisa de uma reformulação completa. É um absurdo a obra tornar-se de direito público, ou seja, não precisar pagar direitos autorais, só 70 anos após a morte de compositor. Eu tenho uma experiência própria: quando precisei gravar canções com textos de Manuel Bandeira, exigiram o pagamento de direitos autorais. Para quem? Bandeira não se casou, portanto não teve filhos nem netos, mas teve sobrinhos-netos, e estes são os que ganham os direitos autorais do Manuel Bandeira. Vai ver que nem o conheceram, nem o amaram. Isso é um verdadeiro absurdo, e o mesmo acontece com muitos outros descendentes de compositores e poetas. Por isso, é necessária uma reformulação, e diminuir este prazo consideravelmente. No ponto de vista pessoal, eu não me preocupo com direitos autorais, porque a sociedade que toma conta disso, o tal de ECAD, é de pouquíssima confiança, e não exerce um domínio completo no campo deles, de maneira que, de vez em quando eu recebo uns "caraminguás", que são a décima parte do que realmente me devem.

OPUS DISSONUS - Qual função o senhor atribui à música erudita na sociedade?
OSVALDO LACERDA - É uma função de elevação cultural, e porque não dizer, uma elevação também do amor pela arte, e porque não pelo próximo? Há músicas eruditas em grande quantidade que emocionam, e a gente fica mais inclinado, por incrível que pareça, a amar o próximo e a natureza. Veja um exemplo de música amorosa na Sinfonia Pastoral de Beethoven, que é simplesmente fantástica.

OPUS DISSONUS - Quais palavras o senhor diria aos aspirantes a compositor?
OSVALDO LACERDA - Camargo Guarnieri disse, com muita propriedade, que o estudo de composição deve ser feito diretamente entre aluno e um bom compositor que domine a sua arte. Ele era contra o ensino coletivo, porque cada aluno reage e pensa de um modo diferente, muito pessoal. Também, ensino em escolas não funciona, e ele era visceralmente contra. O que eu posso recomendar é que estudem a composição básica, porque a base do estudo da composição é a mesma para todos. Para adquirir o senso das coisas, do equilíbrio da construção, etc e tal. Precisa dominar os vários fatores da música erudita, uma boa melodia, um bom ritmo, uma boa harmonia, uma boa estruturação acima de tudo, uma boa instrumentação, boa orquestração, etc Este ensino primordial é o mesmo para todos, o que a maioria não entende: entram de mergulho em seu estilo, e depois ficam ruminando coisas de má qualidade. A base é sempre a mesma, seja para nacionalista, de vanguarda, ou seja para que corrente for.

****************************



Eudóxia de Barros e Osvaldo Lacerda


_____________________________________________________________________________________________________

Mais informações sobre Osvaldo Lacerda
http://www.abmusica.org.br/acad09nov.html

_____________________________________________________________________________________________________


© Copyright Artur Cimirro, 2010