Carl Tausig
(1841-1871)
Sigismond Thalberg
(1812-1871)
Hans von Bülow
(1830-1894)
Johannes Brahms
(1833-1897)
Alexander Dreyschock
(1818-1869)
Theodor Kullak
(1818-1882)
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Certa manhã Franz Liszt, conhecido como o maior pianista de todos os tempos,
recebeu em sua casa em Weimar um distinto polonês que pedia permissão para lhe mostrar
seu filho, uma criança de 13 anos e meio que, afirmava o pai, tratava-se de um menino prodígio.
Liszt, apesar de ter sido um destes meninos-prodígio, não gostava de ouvi-los,
pois sabia que no geral essas crianças eram manipuladas por suas famílias interessadas no
lucro e na fama que jovens talentos poderiam lhes proporcionar, alem de Liszt ainda
considera-los insignificantes musicalmente, pois eram e são incapazes de expressarem no
piano sentimentos que ainda desconhecem por conta de suas tenras idades.
Liszt então desculpou-se recusando-se a escutar o garoto que apesar da negativa foi
em direção ao piano e começou a tocar a Polonesa Heróica (opus 53) de Chopin. Ao
perceber o que havia acontecido e ouvir a maneira que o jovem tocava, Liszt ficou pasmo, e
imediatamente encantou-se por aquele pequeno pianista que tocava, com invejável controle
técnico e emocional, uma obra tão difícil de ser interpretada como esta Polonesa de seu
amigo Chopin, que ele mesmo havia muitas vezes tocado e também ouvido na interpretação
de seu próprio autor.
O menino prodígio em questão era Carl Friedrich Tausig, nascido em Varsóvia em 4 de
Novembro de 1841, e este primeiro encontro com Franz Liszt ocorreu em 21 de Julho de
1855. Neste mesmo dia Liszt comentou que acreditava ser melhor para Carl deixá-lo livre
para encontrar seu próprio caminho pois considerava não ter nada para ensinar ao garoto.
De qualquer forma, a insistência do pai e do filho fizeram com que Liszt aceitasse dar aulas
para o jovem Tausig recebendo-o em sua casa como um membro da familia enquanto Aloys, o pai de Carl, voltava para Varsóvia.
Aloys Tausig, pai de Carl, era um renomado compositor e pianista no círculo
musical polonês, e foi o responsável pela educação musical do seu filho até aquela presente
data. Aloys havia sido aluno de um compositor e pianista chamado Sigismond Thalberg, na
época muito famoso por ter sido rival de Liszt nos seus tempos de pianista virtuose nas
décadas anteriores, e Aloys, graças aos estudos com Thalberg, soube educar seu filho Carl
muito bem na arte de tocar piano.
Ao chegar em Weimar o jovem Carl Tausig tinha, além de um repertório interessante, um pequeno número de composições, e
estas primeiras obras já mostravam uma seriedade e técnica
muito difíceis de serem atribuídas a uma criança.
As obras deste primeiro período são: um Improviso (op.1),
uma Tarantela (op.2), um Noturno “L'esperance” (op.3), uma
Serenata (op.4) considerada perdida, uma pequena fantasia
'Reverie' (op.5) e um Estudo “Le Ruisseau” (op.6), todas para
piano solo.
Não aleatoriamente o pianista e compositor húngaro Liszt foi
escolhido para ser o mentor do jovem Carl pois Liszt
representava o topo do virtuosismo no piano, e era um compositor
de vanguarda que “atirava dardos em direção ao futuro”. Muitas
das suas obras eram demasiadamente complexas para os
padrões até então conhecidos, além de também ter contribuído
criando novas formas musicais. Inevitavelmente este contato fez com que as idéias
musicais de Tausig tomassem novos rumos e sua composição evoluísse em um ritmo
alucinante.
Após um ano Tausig já transcrevia obras sinfônicas de Liszt e as tocava juntamente
com obras originais para piano em pequenos saraus realizados em casas de amigos de Liszt.
Dentre estas obras alguns dos “Estudos Transcendentais” e transcrições de Tausig dos “Poemas
Sinfônicos” de seu querido mestre.
Tausig foi claramente o aluno favorito de Liszt, neste período em que morava em
Weimar chegou a cometer delitos que podiam ter conseqüências graves.
Certa vez, com a
desculpa de estar necessitando de dinheiro, vendeu todas as suas partituras juntamente com
um manuscrito de seu mentor; Liszt, que, por não saber do ocorrido, procurava
desesperadamente pelo manuscrito de sua Sinfonia Fausto que estava acabada mas da qual
não possuía cópias; Felizmente outro aluno de Liszt, Alexander Wilhem Gottschalg (1827-1908), soube do acontecido e comprou a
partitura de volta antes que fosse tarde. Após o incidente Liszt o perdoou e nada mais
comentou, sendo ele assim acusado por todos de ser muito indulgente com Tausig, pois
além disso, por várias vezes havia pago dívidas feitas pelo jovem.
Em Maio de 1858 Tausig passou a morar em Zurique, onde ficou sob a guarda do
compositor alemão Richard Wagner com recomendações de Liszt. Wagner era na época
uma figura importante no cenário musical e estava em constante atividade composicional.
O fato do jovem Carl ser de origem judaica não pareceu ter afetado em nada a sua relação
com Wagner (anti-semita assumido), que, em carta endereçada a Liszt comentou:
“... como músico ele é enormemente talentoso, e sua maneira furiosa de tocar piano
me faz tremer” e “...claro que a juventude me agrada imensamente de outras formas, e
embora ele aja como um garoto levado, ele fala como um velho homem de caráter firme.”
O contato de Tausig com a música de Wagner não era uma novidade, especialmente
pela influencia de dois grandes amigos que ele havia feito ainda nos seus primeiros dias na
casa de Liszt, Hans von Bülow e Peter Cornelius, que serviram de ponte para o contato da
música de Wagner com o jovem virtuoso.
Desenvolvia-se então a chamada “Nova Escola
Alemã” e Tausig aderira ao movimento claramente nas suas próximas composições
influenciadas pelos contatos com Liszt, Wagner e outros compositores simpatizantes do
movimento.
Nesta nova fase da vida musical de Tausig, agora em Zurique, nasceram algumas de
suas obras mais interessantes: “O Navio Fantasma - Balada Sinfônica baseada num conto
de Strachwitz”, o qual Tausig novamente numerou como “opus 1”, por ter desconsiderado
suas composições antigas e resolvido comprar e destruir todas as copias editadas destas
obras, a “Reminiscencias de Halka” também conhecida como “Fantasia de Concerto sobre
temas da opera Halka de Moniusko” (op.2), e “Hernani Gallop” (op.3), obra considerada
perdida desde o inicio do século passado.
Nestas obras Tausig compôs num nivel de virtuosismo
para o piano que somente Liszt havia feito em suas mais difíceis
paráfrases sobre as operas “Don Giovanni” e “Norma”, Os
criticos chamaram este momento da vida de Tausig de "Sturm
und Drang" (Tempestade e Ímpeto) por sua maneira mística,
selvagem e espontânea de tocar e compor, inspirados claramente
no movimento literário alemão encabeçado por Goethe e
Schiller. Como exemplo temos a “Fantasia sobre temas da opera
Halka” uma das maiores extravagâncias pianísticas já criadas por
um virtuoso.
É interessante também notar a que ponto chegou sua influência sobre as pessoas que
o conheceram. A obra “Navio Fantasma” possui elementos suficientes para deixar claro que
o próprio Liszt em suas composições tenha sido influenciado por Tausig, basta uma breve
análise na maneira em que as técnicas pianísticas foram empregadas nesta obra e na famosa
“Valsa Mefisto”, que Liszt inclusive dedicou à Tausig quase dois anos depois, para notar-se
quem influenciou quem.
Após um breve período, Tausig fez vários recitais pelas cidades alemãs e acabou
fazendo da cidade de Dresden sua base. Até aquele momento os críticos se mantinham
pouco entusiásticos com o jovem por o acharem demasiado virtuosístico e violento na
maneira de tocar acreditando que ele seria um pianista perfeito ao passar por esta fase
“tempestuosa e impetuosa”.
Isso fez com que em 1862 ele se mudasse para Viena e, a exemplo do seu amigo
Hans Von Bülow, passou a dedicar-se a regência orquestral de suas próprias obras e de
obras da Nova Escola Alemã. Suas composições deste período parecem estar todas
perdidas, e dentre elas uma versão orquestral do “Navio Fantasma”, alguns Poemas
Sinfônicos, sendo um intitulado “Manfredo”, além de um Concerto pra piano e orquestra e
uma Polonesa também para piano e orquestra.
A edição destas obras naqueles anos se mostrou impossível e ele perdeu muito
dinheiro fazendo concertos onde não teve retorno algum, e conseqüentemente Tausig
decidiu interromper sua carreira por alguns anos.
Deste período data a primeira publicação de suas cinco Valsas-Caprichos sobre
temas de Johann Strauss II, dedicadas a Liszt, e em especial a melodia da primeira que era
uma das favoritas de Liszt, tendo-a improvisado a quatro mãos com sua filha Cosima em
uma das diversas soirées dos passados anos 50. Ainda nesse ano de 1862 foi forjada a
amizade entre Tausig e o compositor alemão Johannes Brahms.
Se por um lado, Wagner representava o futurismo na música e o abandono do
passado, Brahms era o conservadorismo em pessoa, crendo ser necessário estudar muito
bem o passado para fazer uma música de qualidade. De fato eram dois gênios em lados
opostos de uma mesma moeda. E Brahms era claramente mais flexível que Wagner, uma
vez que, em seus diversos contatos com Tausig, discutiam sobre, entre outras coisas, a
música de Wagner.
Tausig foi claramente o único personagem na historia da música a conseguir
transitar entre estes dois pilares da música alemã no período romântico, e foi responsável
pelo único encontro que houve entre estas duas grandes figuras, mas, conseqüentemente,
como não era de se estranhar, acabou sendo também o causador de um atrito entre estes
dois compositores que ficou conhecido como o “Escândalo Tannhäuser”.
Tausig havia ganho de Wagner um manuscrito de uma obra que havia sido feita em
Paris, e anos mais tarde ao conhecer Brahms e saber que ele colecionava manuscritos,
incluindo algumas Sinfonias de Mozart originais, Tausig resolveu dar o manuscrito de
Wagner que possuía como um presente ao novo amigo. Wagner ao saber do ocorrido
sentiu-se ofendido, e pediu para Peter Cornelius entrar em contato com Brahms e pedir a
partitura de volta dizendo que Tausig havia cometido um equivoco ao acreditar que tal obra
lhe pertencia, e, apesar das diversas tentativas, Cornelius nunca obteve resposta de Brahms,
até que, quase 10 anos após o ocorrido, Wagner escreveu uma carta pessoal a Brahms
pedindo o manuscrito de volta a qual Brahms respondeu enviando-o, e como agradecimento
Wagner enviou outro de seus manuscritos ao qual Brahms agradeceu com mais um outro
manuscrito raro de sua coleção encerrando assim seu contato com Wagner.
De qualquer forma o contato de Tausig com Brahms foi muito produtivo para ambas
as partes. Brahms fez os esboços de suas “Variações sobre um tema de Paganini Op.35” e
entregou para Tausig que se encarregou de dar um “tempero” virtuosístico de modo que o
próprio Brahms não se julgava capaz de tocar tal obra. E dentre estes estudos, analises e
conversas ambos compuseram ainda duas diferentes obras usando notas duplas na mão
direita (sextas e terças), onde, com as mesmas notas básicas do estudo Op.25 No.2 de
Chopin, criaram duas dificílimas e interessantes maneiras de estudar uma obra Chopiniana
sob uma nova ótica, assim como faria, 40 anos mais tarde, com a obra de Chopin, Leopold
Godowsky. Tausig por sua vez direcionou suas forças também à transcrição de obras de
Johann Sebastian Bach, dentre elas a famosa Tocata e Fuga em ré menor e um conjunto de
Prelúdios de Corais dedicados ao seu amigo Brahms.
Em 1864, Tausig casou-se com uma pianista húngara chamada Seraphine von
Vrabely, aluna de um pianista e compositor famoso naquele tempo chamado Alexander
Dreyschock. Tausig dedicou sua “Fantasia sobre temas Húngaro-Ciganos” para sua esposa,
mas pouco tempo depois se divorciaram e pouco sabe-se a respeito deste casamento.
Nesta Fantasia sobre temas Húngaro-Ciganos Tausig utiliza temas também
utilizados por Liszt em suas obras (Ungarischer Romanzero S.241, por
exemplo) que eram
relativamente famosos entre os conhecedores da música folclórica cigana
(muito
confundida com a húngara naquele tempo, o que justifica o título da
obra em questão) e a
maneira que ele trata a composição como um todo, uma estrutura de
rapsódia Lisztiana,
deixa claro que ele abandonou seu período “Strum und Drang”
No ano seguinte foi morar em Berlin e reiniciou sua carreira como pianista, desta
vez os críticos o receberam como um gênio, especialmente suas interpretações de Chopin
eram aclamadas como as melhores, Tausig era claramente comparado a Liszt e Anton
Rubinstein, que eram os dois mais importantes nomes do piano até então.
Em 1866 Juntamente com os músicos Adolph Jensen, Louis Ehlert e
C.F.Weitzmann, Tausig criou a Virtuosenakademie (Schule des höheren
Klavierspiels) uma
escola para formar pianistas virtuoses; Tausig como professor era
severo e pouco
paciente, e, parte desta história se preservou graças ao livro “Music
Study in Germany” da
escritora e pianista americana Amy Fay. Dentre os alunos de Tausig
valem citar: Rafael Joseffy, Alexander Michalowski, Adolph Andrey
Schulz-Evler, Sophie Menter, Vera Timanoff, Amy Fay e Gustav V.
Lewinsky. Mas aos poucos a agenda lotada de recitais e
concertos de Tausig foram tomando mais e mais o seu tempo de modo que
ele passava
pouquíssimo tempo na Virtuosenakademie, e assim, em outubro de 1870 a
escola fechou
suas portas definitivamente.
No inverno do mesmo ano Tausig havia sido convidado por
Liszt para participar como solista em um concerto do festival
“Tokünstler-Versammlung”, e apesar das repetidas recusas ao
convite a insistência de Liszt perseverou, e assim aconteceu o
último encontro entre estes dois gênios da música.
Apesar da fama, Tausig encontrava-se num momento de
depressão, chegando a fazer viagens sem propósito algum,
atravessando a Europa e pegando o primeiro trem de volta. Deste
período data sua ultima fase composicional, onde ele fez dois
Estudos de Concerto em que mais uma vez editou como “opus 1”
desconsiderando tudo o que já havia feito até então.
Nestes dois estudos Tausig utiliza-se de uma nova linguagem, sua música agora era
adulta, sem os excessos de efeitos de um virtuosismo exacerbado, mas ainda obras de difícil
execução, como era de se esperar, destinadas à músicos de real talento.
A agenda de concertos foi mantida até junho de 1871, mas no inicio de
Julho Tausig
passou seus dias ardendo em febre (tifo) e acabou falecendo no dia 17
em Leipzig onde
estava sendo assistido por sua amiga de longa data Marie von
Mouchanoff-Kalergis que havia sido aluna de Frederic Chopin na sua
juventude. Seu amigo Kullak que o havia visto poucos dias antes da
febre aparecer comentou espantado
que não havia quaisquer traços de doença em Carl naqueles dias.
Para Liszt o impacto da morte de Carl Tausig foi ainda maior, também pelo fato de
não ter podido estar presente no enterro do querido amigo. Marie Mouchanoff mesmo
adoentada como estava naquela época foi a Weimar para contar a Liszt sobre como tudo
acontecera e como haviam sido os últimos dias de Carl, e juntamente com Emile Genast
passaram uma noite inteira a recordar Tausig. Em determinado momento silenciosamente
Liszt foi até o piano e tocou uma canção (lied) chamada “A vida além”, e aquela foi a única
música tocada naquela noite.
Carl Tausig deixou um número expressivo de transcrições para piano solo e
algumas composições que contribuem de forma ímpar para a evolução da técnica do piano
e da historia da música além de um conjunto de estudos técnicos que em muito auxiliam os
estudantes de piano que desejam alcançar o nível profissional.
15 de Julho de 2010
Artur Cimirro
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Franz Liszt
(1811-1886)
Richard Wagner
(1813-1883)
Peter Cornelius
(1824-1874)
Seraphine von Vrabely
(1841-1931)
Anton Rubinstein
(1829-1894)
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