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As Adotadas
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Mãe e duas filhas foram encontradas por um casal de namorados em um buraco de terra numa chácara em São Carlos, estado de São Paulo. A família que ali morava foi embora não se sabe para onde, e sem preocupação alguma, largou-as à deriva.

O casal pretendia adotar apenas uma das filhas, pois os dois estudavam na USP de São Carlos, e pretendiam seguir carreira universitária como pesquisadores. Para tanto, não poderiam assumir tamanha responsabilidade, pois temiam não ter tempo suficiente para cuidar de todas, mas diante da situação precária das três, a piedade e comoção ditaram a ação: levariam as três daquele lugar abandonado e cuidariam delas como se fossem suas próprias filhas.

Os estudantes casaram-se e tiveram uma linda filha, que as três adotadas acolheram com carinho e felicidade. A vida era corrida, mas sempre havia tempo para que todos pudessem se divertir, rolando pelo chão do quintal. A felicidade morava ali, onde em um lar singelo, a preocupação, atenção e amor eram divididos igualmente.

O casal se formou, fez mestrado, doutorado e pós-doutorado. A família mudou-se para outro estado, pois os dois foram contratados para trabalharem em uma Universidade. Ficaram apenas seis meses. Prestaram concurso na Universidade Federal do ABC e mudaram-se para Santo André, cidade sede da Universidade.

Agora a família e o trabalho aumentaram. Veio somar um lindo menininho. Alguns anos se passaram, e as três adotadas já estavam velhinhas.

Num certo dia, a adotada mãe, depois de muito sofrimento, morreu de câncer. As irmãs adotadas, depois de uns dois anos começaram também a sofrer com essa doença avassaladora. Mais velhinhas, com suas movimentações mais lentas, dores pelo corpo, os pulmões a lhes pregarem peças deixando-as cansadas e sôfregas, os olhos cansados, a audição baixa, e ainda as moscas a rodearem e apossar-se de seus corpos infernizando ainda mais suas vidas.

O casal e seus filhos fazem o necessário para tentarem aliviar o sofrimento das adotadas, e, talvez por isso mesmo, elas ainda insistem em viver, e não só isso, elas também continuam a desempenhar os seus papéis (carmas?) que é o de proteger a casa contra pessoas de más intenções. Se conseguem ou não, isto é outra história, pois de qualquer maneira, as adotadas cumprem com muito sacrifício seus instintos.

As três adotadas, agora órfãs de mãe, são três cachorras sem raça, tipo basset, que nos remetem a vários questionamentos, inclusive de cunho religioso também.

A cena por mim vista, jamais será esquecida: a mãe Filó agora descansa sem dores, sem nada (ou com tudo de bom?) enquanto isso, as cadelas Chiquinha e Pit se desdobram em suas árduas tarefas de zelar pelo patrimônio da “sua família”. Enquanto uma dá um descanso para o corpo sofrido nos fundos da casa, a outra desce vagarosamente alguns degraus de escada para ficar perto da porta da cozinha, de onde pode vigiar melhor a casa. Quando a dor e o cansaço incomodam, a outra vem em seu socorro, e toma o seu lugar. E assim vão se revezando o dia todo. Os passos lentos, as dores por todo o corpo, a apneia a lhes tirar o fôlego, não lhes impede de continuar servindo seus benfeitores e amigos.

Qual ser humano agiria dessa maneira? Poucos, não?

É por essas e outras coisas que o dito “o cão é o melhor amigo do homem” justifica-se. Por minha vez, acredito que cães são anjos lindos que devotam suas vidas aos seres pensantes, independente de como são tratados.

Nicete Campos
19/10/2012


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