A menina, depois que inventou de enfeitar latas vazias com flores “de pau”, não teve mais sossego para brincar no próprio quintal, e nem mesmo com seus amigos na rua larga de terra.
No começo não se incomodava em machucar os pés descalços sob o grande pé de Cedro. Não grande, gigante!
Misturados aos cacos de vidro, fios de cobre, ossos de animais mortos, saquinhos de papel, restos de comida, mato crescido, os botões e as lindas flores “de pau” eram encontrados. Caiam muitas vezes já com suas hastes em tamanhos diversos, algumas quebrando ao chegarem ao solo. Os botões pareciam, para a menina, figos amarronzados. As flores, por vezes, perdiam uma ou mais pétalas com o tombo alto, mesmo assim continuavam belas. Suas sementes (o “figo amarronzado”, ou ainda a “flor em botão”) podiam ser colhidas diretamente da árvore, mas quando iniciavam a abertura espontânea, deveriam ser levadas ao sol para completarem a abertura e liberação das sementes, sendo que um quilo delas continha cerca de vinte e uma mil unidades, cuja viabilidade ou durabilidade era superior a quatro meses. Simplesmente maravilhoso! Essa árvore brasileirinha, poderia ajudar a propagar a vida na flora abundantemente.
Mas a menina, não entendia e nem queria saber desses “pormenores”, queria apenas pegá-las do chão e enfeitar a casa toda com elas.
Sua casa vivia cheia de gente. As pessoas mais sensíveis reparavam na beleza dos arranjos em latas velhas, e assim comentavam pela cidade que existia flor “de pau”, e que apesar de ser ela um tanto quanto estranha, era bela. Assim, o sossego da pequena menina acabou. Sua mãe fazia gentileza com chapéu alheio, pois não ia lá na divisa da casa com o terreno baldio, sob o pé de Cedro buscar as flores que todos os dias se esparramavam inclusive sobre os arames farpados, deixados ali sem cuidados. Se a menina estava na rua brincando, alguém ia chamá-la para pegar as flores, se estava dormindo, era acordada, se varria o quintal, deixava a vassoura de lado para poder contentar os curiosos e admiradores da tal flor.
Voltava às vezes chorando com um caco de vidro grudado em seu pé, ou furado pelos arames já enferrujados, mas trazia em suas mãos a preciosidade cobiçada. E assim, quando o outono chegava ao fim, a árvore, peladinha de folhas e com suas poucas flores apenas lá no alto, o tormento aumentava: queriam as últimas, mas a menina ainda não aprendera a voar, então, seus arranjos iam minguando por conta de mãos alheias.
Agora era esperar agosto/setembro do ano seguinte para ver de novo a árvore se despir totalmente de suas folhas, cedendo lugar às lindas flores “de pau”.
Onde as pessoas poderiam ir buscar mais dessas flores, sem ser na casa da menina? Não que ela se importasse em doar as flores, ao contrário, queria que todos pudessem amá-las com o mesmo amor que ela lhes dispensava, mas não queria perder seus arranjos, ou ficar sem vê-las durante tanto tempo. Sem as flores, seu pé de Cedro era lindo também, pois as folhas vinham novinhas, de “roupa nova” e logo dariam seus frutos. O gigante alcançava facilmente seus trinta e cinco metros. Ela não conseguia abraçar seu tronco por inteiro, pois o Cedro tinha quase um metro de diâmetro, mas a cada vez que ia lá, beijava-o e agradecia por estar tão pertinho dela, lhe dando presentes tão lindos.
Mais tarde a menina soube que sua ocorrência vai do Rio Grande do Sul até Minas Gerais, principalmente nas florestas semidecídua e pluvial atlântica, e que também ocorre (em menor intensidade) em todo o país.
Ela (a menina), morava no interior do Estado de São Paulo, e numa cidade em franco desenvolvimento, talvez por isso, seu pé de cedro não era tão comum de ser encontrado. Os homens cortavam tudo quanto é árvore para colocar em seu lugar, cimento.
Se ela soubesse, naquela época, ensinar as pessoas a colocarem as sementes para germinar logo que colhidas em canteiros semi-sombreados contendo substrato argiloso; cobrí-las com uma fina camada do substrato peneirado e irrigar duas vezes ao dia, que a germinação seria abundante e ocorre em 12-18 dias, e que de 70 a 120 dias de transplante em saquinhos individuais já podem ser levadas para plantio no local definitivo, talvez hoje muitos Cedros poderiam ser encontrados.
O Cedro não é só beleza, como também utilidade, pois a madeira é largamente empregada em compensados, contraplacados, esculturas e obras de talha, modelos e molduras, esquadrias, móveis em geral, marcenaria, na construção civil, naval e aeronáutica, na confecção de pequenas caixas, lápis e instrumentos musicais etc. É também largamente empregada no paisagismo. Não deve faltar na composição de reflorestamentos heterogêneos de áreas degradas para preservação. Nunca deve ser plantada em agrupamentos homogêneos devido ao ataque da broca.
A menina cresceu e mudou-se, mas quando voltou, foi procurar seu pé de Cedro. Encontrou em seu lugar uma casa luxuosa e muito grande, tão grande que matou a beleza e a vida alí contidas.
Nicete Campos
15/1/2009