____________________________________________________

Biopirataria
____________________________________________________


Biopirataria ocupa brecha deixada pela falta de cientistas brasileiros na floresta

Na revista Galileu (Novembro 2003, No.148), foi publicada uma matéria sobre a biopirataria na Amazônia com o seguinte título “Quem vai explorar a biodiversidade amazônica?” Como sub-título lê-se “Biopirataria ocupa brecha deixada pela falta de cientistas brasileiros na floresta”.

A referida matéria discorre sobre o tempo em que o Brasil reclama do roubo de recursos biogenéticos na Amazônia (pelo menos uma década), sobre o número de casos de pessoas presas ao tentar levar plantas e animais silvestres para fora do país (em 2003, no Amazonas 7 casos), e que a biopirataria é um dos assuntos mais comentados em Manaus.

Rafael Garcia, o repórter que viajou a Manaus, atendendo ao convite feito pelo SEBRAE, em sua matéria cita o ecólogo Henrique Pereira, gerente do Ibama no Amazonas, que em entrevista diz: “Esse é um tipo de crime ambiental que não deixa cicatrizes”. “Não sabemos com precisão quanto essas apreensões significam em porcentagem do que está acontecendo”. “Os biopiratas nem sempre levam material fresco, e já conseguem fazer aqui mesmo extratos para levar em pequenas quantidades”.

Essa mesma matéria, digna de elogios principalmente pelos alertas em forma de reportagens com pessoas ligadas às áreas que a abrangem, não pode ficar restrita aos assinantes da revista em questão, pois diz respeito a cada um de nós brasileiros. Como os créditos, juntamente com os parabéns que devo e quero dar à revista Galileu, aproveito-me um pouco mais para repassar certos trechos da reportagem, que acredito serem de suma importância para aqueles que me lêem.

“É possível que as apreensões recentes sejam fruto de uma maior eficácia na fiscalização. No entanto, a ação dos biopiratas está ficando mais sofisticada e difícil de ser flagrada. Apertar a fiscalização ajuda a deter o problema, mas manter sob vigília total uma floresta do tamanho da Europa Ocidental é uma tarefa virtualmente impossível. Para muitos cientistas, porém, o medo da biopirataria não existiria se o Brasil estivesse estudando o potencial da biodiversidade. Mostrar o valor da floresta, de quebra, reduziria o incentivo ao desmatamento. Um dos casos mais recentes da biopirataria foi o flagrante sobre o alemão Marc Baumgarten, detido em Presidente Figueiredo (AM) com 10 aranhas caranguejeiras na bagagem. “A prisão foi correta, mas quem vai estudar essas caranguejeiras aqui para extrair os compostos bioativos e vendê-los dentro da lei?”, pergunta o biólogo Charles Clement, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia). Enquanto ninguém faz as pesquisas, a floresta que concentra mais de 10% de toda a biodiversidade mundial fica à mercê dos biopiratas que conseguem passar despercebidos pelo aeroporto”.

Essa matéria, além de advertir, ensinar, e principalmente alertar nossos governantes, é um pedido de socorro das comunidades indígenas, detentoras que são das informações valiosas sobre plantas e substâncias animais. É sabido que a indústria química e farmacêutica, bem como os cientistas que desenvolvem as drogas sabem dessas informações dos índios. Ocorre, porém, que os contratos de parceria para bioprospecção chegam a pagar o dobro em royalties por uma determinada quantia de vegetais, se estas incluírem informações sobre como os índios as utilizam.

A biopirataria cresce a olhos vistos. Os indígenas reivindicam repartição de benefícios quando um pesquisador brasileiro age corretamente, firmando contrato com aldeias de índios, por exemplo. A universidade aceita e até acha a reivindicação justa, mas o que acontece? Pesquisadores e índios acabam por não acordarem, e a pesquisa fica paralisada.

Regras que prevêem incentivos para preservar a cultura de povos que estão perdendo a tradição, como por exemplo, o registro de conhecimentos em língua indígena que foram propostas pela Fepi (Fundação Estadual de Política Indigenista do Amazonas) é necessário, e segundo a socióloga Carla Belas, coordenadora do setor de propriedade intelectual do Museu Paraense Emílio Goeldi, “inventariar o conhecimento indígena é importante, mas para evitar patentes injustas será necessário também discutir mudanças em regras internacionais. Não há nenhum mecanismo que obrigue o redator de uma patente a dizer de onde ele tirou aquele conhecimento”. A bioburocracia legislativa faz mais atrapalhar do que ajudar. “Tanto a Lei de Crimes Ambientais como a MP (Medida Provisória) que trata da biodiversidade são omissas e lacunosas, e os indivíduos que praticam biopirataria muitas vezes conhecem essas lacunas”, diz Eugenio Pantoja, da Amazonlink.

Enfim, fatos que geram polêmicas e delongas em demasia, acabam por cansar qualquer pesquisador brasileiro bem intencionado. Se houvesse uma política ambiental séria e consciente, onde pesquisadores das áreas de interesse pudessem agir com a segurança e as prioridades que lhes são devidas, nossas riquezas naturais não estariam sendo dilapidadas e/ou roubadas há tanto tempo por piratas estrangeiros.

Outra questão que incomoda a nós brasileiros, é o fato dos nossos bravos pesquisadores viverem relegados às pressões burocráticas, que os impossibilitam de praticar suas ciências de acordo com seus anseios e expectativas. Nossos cientistas já demonstraram há muito tempo que têm capacidade, engenhosidade e inteligência mais que suficiente para ajudar nosso país a sair da ignorância e da inércia provocadas por incompetentes que se intitulam governantes desse país. Mas o que fazer se até o herbário da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP/Ribeirão Preto, por exemplo, está desativado por absoluta falta de verba?

Parabéns à revista Galileu pela brilhante reportagem, mas faço uma sugestão: que tal dar continuidade a essas reportagens, entrevistando nossos pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Campinas (Unicamp), Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), e todas as outras estaduais e federais, para que os leitores possam checar mais ampla e coerentemente os lados das questões abordadas?

Aproveitem para constatar como muitos dos nossos excelentes pesquisadores produzem, sem que para isso possam contar com equipamentos de tecnologia de ponta, material de consumo, pessoal técnico e administrativo e etc. Sem falar no baixíssimo salário que recebem pelo tanto que fazem (aulas, pesquisa, extensão, orientação de alunos de iniciação científica, pós-graduação, alguns cargos burocráticos, participação em congressos nacionais e internacionais, prestação de contas periódicas e etc).

Quem sabe assim, vistos e lidos por tantos leitores dessa digna revista, nossos governantes não enxerguem o mal que causam ao povo brasileiro, e deleguem mais poderes e mais subsídios a quem de direito?



Nicete Campos
6/11/2003


_______________________________________